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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

STF MANDA SOLTAR FAZENDEIRO ENVOLVIDO NA MORTE DE DOROTY STANG

 
O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, determinou que seja posto em liberdade Regivaldo Pereira Galvão. Trata-se do fazendeiro condenado em maio de 2010 por um júri popular a 30 anos de prisão por ter participado da execução da missionária americana Dorothy Stang. Ela foi assassinada na cidade de Anapu, no Pará, em fevereiro de 2005.

Em seu despacho, Marco Aurélio deferiu liminar requerida num habeas corpus protocolado no Supremo pelo advogado de Regivaldo, Jânio Siqueira. O ministro considerou que o juiz Raimundo Alves Flexa, que presidiu o tribunal do júri que condenou o réu, exorbitou ao redigir a sentença.

O magistrado anotara na peça o seguinte: “Nego ao réu o direito de apelar desta sentença em liberdade, justificando sua constrição, em face da condenação do mesmo no dia de hoje pelo Soberano Tribunal do Júri Popular. Expeça-se o competente mandado de prisão.”

Para Marco Aurélio, o juiz ignorou decisão anterior que havia sido tomada pelo STF. Além disso, “desconheceu por completo [...] o princípio da não culpabilidade.” Previsto na Constituição, esse princípio prevê que ninguém pode ser considerado culpado enquanto o processo não estiver concluído.

Assim, no entendimento de Marco Aurélio, o réu tem, sim, direito de responder pelo crime em liberdade enquanto houver recurso pendente de julgamento. A ordem do ministro deve ser cumprida nesta quarta (22). Preso na cidade paraense de Altamira desde setembro de 2011, quando entregou-se à Justiça, Regivaldo ganhará o meio-fio.

A decisão de Marco Aurélio foi divulgada na noite passada. Em texto de oito folhas, o ministro historiou o caso. Anotou que Regivaldo foi condenado pelo pelo tribunal do júri a cumprir 30 anos de prisão, em regime fechado, pelo crime de homicídio qualificado. A pena foi agravada porque a assassinada era idosa. Negou-se ao réu o direito de recorrer em liberdade.

Antes de bater às portas do STF, Regivaldo recorrera ao Tribunal de Justiça do Pará. A 1aCâmara Criminal do tribunal paraense indeferiu o pedido de liberdade sob duas alegações: 1) a liberdade do réu colocaria em risco a ordem pública; 2) era preciso assegurar a aplicação da lei penal. O réu protocolou um “recurso especial” no mesmo tribunal, que voltou a negar o pedido de liberdade.

A defesa de Regivaldo levou o caso a Brasília. Impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. Relator do pedido, o desembargador Adilson Vieira Macabu, convocado para atuar no STJ, também indeferiu o pedido de liminar. Considerou que a prisão justificava-se em função do modo como o crime havia sido cometido.

Dorothy foi passada nas armas por defender assentamentos de trabalhadores rurais em terras públicas que eram reivindicadas por fazendeiros da região de Anapu. Além de Regivaldo, foram responsabilizados pelo assassinato outras quatro pessoas. Foram julgadas e condenadas a penas que vão de 17 a 27 anos de cadeia. Estão todos presos.

Negada a liminar pelo desembargador Adilson Macabu, o mérito do pedido de revogação da prisão de Regivaldo foi julgado pela 5a turma do STJ. De novo, rejeitou-se a petição sob a alegação de que a detenção do réu estava devidamente justificada. Contra essa decisão, a defesa de Regivaldo recorreu ao STF.

No Supremo, o advogado do réu alegou que a prisão preventiva de seu cliente já havia sido solicitada em três ocasiões anteriores. Recordou que a 1a turma do Supremo concedera liminar em favor de Regivaldo antes da condenação pelo tribunal do júri. Nessa decisão, afastara-se a alegação de que a liberdade do réu colocaria em risco a ordem pública.

No novo recurso, o advogado pediu que fosse restabelecida a liminar do STF, permitindo que Regivaldo responda ao processo em liberdade, já que a condenação do tribunal do júri, ainda pendente do julgamento de recurso, não pode ser considerada como definitiva.

Em seu despacho, após rememorar os termos da liminar do STF que revogara anteriormente a prisão preventiva de Regivaldo, Marco Aurélio anotou: “Cabe perguntar a razão de ter vindo à baila, sem o trânsito em julgado [julgamento definitivo] do título judicial condenatório, sem a culpa estar formada, novo ato de constrição, ao menos sob o ângulo formal, provisório.”

Nesse trecho, o ministro reproduz o pedaço da sentença do juiz paraense que negou a Regivaldo a prerrogativa de recorrer em liberdade após a condenação do júri popular. Um erro, escreveu Marco Aurélio: “O juízo desconheceu por completo não só o pronunciamento anterior desta Turma [do STF] como também o princípio da não culpabilidade. A motivação da custódia [prisão] mostrou-se única: a condenação imposta pelo tribunal do júri, muito embora sujeita, ainda, a recurso que, por sinal, veio a ser interposto.”

No dizer de Marco Aurélio, “ante a notória fragilidade” da sentença do juiz, o Tribunal de Justiça do Pará terminou por adicionar-lhe outros “fundamentos” ao decidir pela manutenção do réu na cadeia. Uma prisão que o ministro considerou como “execução precoce e açodada da pena” ainda sujeita a recurso.

Marco Aurélio mencionou quatro acréscimos providenciados pelo tribunal paraense para robustecer a tese segundo a qual a prisão é necessária:
1) posto em liberdade, Regivaldo seria o único réu envolvido no assassinato de Dorothy Stang que estaria solto; 2) o réu “possuiria condições econômico-financeiras capazes de viabilizar a saída do país”;
3) Regivaldo ameaçara testemunha;
4) A periculosidade do réu seria evidente.

“Os dois primeiros elementos – a circunstância de ser o único réu do processo a encontrar-se em liberdade e ter condições econômico-financeiras  – revelam-se neutros, absolutamente neutros”, escreveu o ministro. “Quanto à ameaça a testemunha, observem que essa motivação, àquela altura, não tinha razão.”

Por quê? Regivaldo já havia sido julgado pelo tribunal do júri. Apelara contra a sentença. “A instrução, até mesmo no tocante aos trabalhos de plenário, estava encerrada”, anotou Marco Aurélio antes de indagar: “Como, nessa fase, justificar a prisão preventiva com base na ocorrência de ameaça a testemunha…?”

O ministro acrescentou: “Por último, há uma única linha sobre a periculosidade do paciente, nada se consignando a respeito. Apenas se registrou: ‘[...] por estar demonstrada a periculosidade do apelante [...]‘. Evidentemente, levou-se em conta para tanto a condenação imposta, mas esta ainda não transitou em julgado”.

E concluiu: “Ante o contexto, concedo a ordem para afastar a prisão do paciente, obstaculizando, com isso, a execução da pena antes de a decisão que a implicou estar coberta pela preclusão maior. É como voto.”


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