DECISÃO
A criança não pode ser penalizada pelas condutas, mesmo que
irregulares, dos pais. Com esse entendimento, o ministro Luis Felipe
Salomão determinou a adoção da criança registrada como filha pelo pai
que teria “alugado a barriga” da mãe biológica.
A criança havia sido registrada como filha do “pai de aluguel” e da mãe
biológica, uma prostituta. Desde os sete meses de idade, ela convivia
com o pai registral e sua esposa, que não tinha condições de engravidar.
O Ministério Público paranaense (MPPR) apontou ter havido negociação da
gravidez aos sete meses de gestação e moveu ação para decretar a perda
do poder familiar da mãe biológica e anular o registro de paternidade. A
justiça do Paraná deu provimento à ação e determinou a busca e
apreensão da criança menor de cinco anos, que deveria ser levada a
abrigo e submetida à adoção regular.
Interesse da criança
Para o ministro Salomão, a determinação da Justiça paranaense passa
longe da principal questão em debate: o melhor interesse da criança. “De
fato, se a criança vem sendo criada com amor e se cabe ao Estado, ao
mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida
que se impõe”, afirmou.
Conforme o ministro, a adoção de crianças envolve interesses de
diversos envolvidos: dos adotantes, da sociedade em geral, do Ministério
Público, dos menores. Mas como o tema envolve o próprio direito de
filiação, com consequências para toda a vida do indivíduo, deve
prevalecer sempre o interesse do menor.
Vínculo afetivo
Ele destacou que a criança vive pacificamente com o pai registral desde
os sete meses de vida. Contando agora com quase cinco anos, impedir a
adoção iria retirar dela o direito à proteção integral e à convivência
familiar.
O ministro Salomão afirmou que, caso fosse seguida a decisão
paranaense, a criança seria retirada do lar onde recebe cuidados do pai
registral e esposa e transferida a um abrigo, sem nenhuma garantia de
conseguir recolocação em uma família substituta. Além disso, passaria
por traumas emocionais decorrentes da ruptura abrupta do vínculo afetivo
já existente.
Ainda conforme o ministro, o tribunal paranaense afastou o vínculo
afetivo apenas porque o tempo de convivência seria pequeno, de pouco
mais de dois anos à época da decisão.
Conduta irregular
“Ainda que toda a conduta do recorrente tenha sido inapropriada, somado
ao fato de que caberia a ele se inscrever regularmente nos cadastros de
adoção, nota-se, ainda assim, que tal atitude inadequada do recorrente
não pode ter o condão de prejudicar o interesse do menor de maneira tão
drástica, e nem de longe pode ser comparada com subtração de crianças,
como apontado pela sentença”, ponderou o ministro.
“Na verdade, a questão foi resolvida praticamente com enfoque na
conduta dos pais (a mãe biológica e o pai registral), enquanto o
interesse do menor foi visivelmente colocado em segundo plano”,
completou.
Má-fé
De acordo com os depoimentos dos envolvidos, a má-fé vislumbrada pela
Justiça do Paraná consistiu apenas no pagamento de medicamentos e
alugueis pelo pai registral à mãe biológica, que não estava em condições
de trabalhar. Não houve reconhecimento de ajuda financeira direta.
Ele destacou ainda que não se trata de aceitar a “adoção à brasileira”,
informal, mas de analisar a questão do ponto de vista do interesse real
da criança.
A decisão do ministro ocorreu em recurso especial do pai, é individual e
foi tomada na última quinta-feira (9), durante o plantão judicial.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa (STJ)
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