São 10 comprimidos por dia. É preciso controlar a pressão, o refluxo e ainda afinar o sangue. A bateria de exames é regular e tem que estar em dia. A alimentação é balanceada, nada de exageros. Todas as terças, quintas e sábados são reservados à hemodiálise. Uma rotina que já dura cinco anos. A espera do aposentado Ciro Raimundo Félix, de 61 anos, é por um rim. Ele está na fila dos transplantes desde 2010, quando descobriu que os rins não funcionavam mais.
“Tive muita
albumina, não tratava direito e ela foi atacando meu rim. Em 2010 me disseram
que não tinha mais jeito, eu precisava transplantar. Já fui chamado quatro
vezes, sempre é em grupo de 10. E entre os 10 sempre teve um paciente que
mostrava compatibilidade antes. Continuo esperando”, relata.
Ele já foi
mecânico naval, mas se aposentou desde que começou a hemodiálise. “Quando eles
fazem a fista no braço, esse braço fica quase inútil para mim porque não posso
fazer força e eu tinha que fazer muita força com ele no trabalho de mecânico de
marítimos. Tenho que tomar cuidados e os meus amigos transplantados dizem que
depois da cirurgia é bem mais rígido, mas eu estou preparado. A gente espera a
ligação a qualquer hora. Pode ser qualquer hora, até de madrugada”, declara
Ciro Félix.
Essa é a
realidade de mais 750 pacientes que aguardam um rim para transplantar em todo o
Estado e mais de 900 pessoas esperam a doação de córneas, que são as cirurgias
realizadas no Pará. Em 2014, foram realizados 29 transplantes renais no Estado,
nove com doadores vivos e 20 com doadores falecidos, mas apenas 10 eram
doadores de múltiplos órgãos. Um número que vem caindo, já que em 2013, dos 53
transplantes renais, sendo 41 com doadores falecidos, apenas 19 eram doadores
de múltiplos órgãos.
De acordo
com a coordenadora Adjunta da Central de Notificação, Captação e Distribuição
de Órgãos Estadual (CNCDO), a biomédica Ierece Miranda, a falta de doações faz
a fila de espera apenas aumentar. “Aproximadamente 42 novos pacientes entram
mensalmente na fila de transplante de córnea e apenas 18 deixam essa fila. Ou
seja, a cada mês a lista de espera para transplante de córnea aumenta em 9% e
diminui em apenas 4%. Quanto aos renais crônicos, a média mensal de novos
receptores na fila é de 49 e apenas 4 são transplantados. Isso significa que a
fila para o transplante de rim aumenta 9% e diminui somente 0,8%”, analisa.
O
crescimento das filas só aumenta o tempo de espera para os transplantes no
Estado e no caso dos transplantes renais, o aumento de pacientes em tratamento
de hemodiálise. “É muito mais caro manter o paciente em tratamento de
hemodiálise do que realizar o transplante. Mais caro não somente no custo
financeiro, mas por todo o sofrimento que o paciente e a família precisam
passar durante o tratamento”, ressalta a biomédica.
Como o Pará
não realiza outros tipos de transplantes, quando surge um múltiplo doador, os
órgãos podem ser enviados para outro Estado, com exceção do coração, o qual os
cirurgiões aproveitam os vasos do órgão para outras cirurgias cardíacas.O Estado tem quatro estabelecimentos de saúde autorizados a realizar transplantes de rim. O Hospital Regional do Baixo Amazonas, em Santarém; o Hospital Regional Público do Araguaia, em Redenção – onde é feito apenas o transplante com o doador vivo; o Hospital Ophir Loyola e o Hospital Saúde da Mulher, ambos em Belém. Quanto ao transplante de córnea é feito em Santarém, em Belém e na Região Metropolitana. Ao todo são 12 estabelecimentos de saúde a realizar este tipo de cirurgia.
O agricultor
Luiz Cavalcante, 47 anos, veio de Altamira para realizar o transplante de rim
no Hospital Ophir Loyola. ”Fazem cinco meses, fiz em outubro do ano passado.
Tive muitas malárias, umas 12 ou mais, aí meu rim não resistiu. Só sentia muita
falta de ar, inchaço e tosse. Fui no médico e ele disse que eu tinha diabetes,
os rins parados e o coração grande, estava tudo inflamado”, disse.
Desde então
foram três anos e cinco meses de espera. “Fiquei todo esse tempo fazendo
hemodiálise. Aí me ligaram avisando que conseguiram o rim. Estava em Altamira,
a Sespa me arrumou a passagem e vim tranquilo, sem medo. Não senti nada, foi
uma benção. Hoje tenho três rins, os dois parados e o meu novo. Só voltei ao
hospital agora pela terceira vez porque a pressão baixou e depois do
transplante qualquer coisa que a gente sinta temos que vir para o hospital”,
comenta o agricultor.
Há três
hospitais no Pará que possuem Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e
Tecidos para Transplantes (CIHDOTT), o Hospital Ophir Loyola, o Hospital Regional
de Santarém e o Hospital Metropolitano. No hospital Ophir Loyola, a comissão –
que é composta por um médico, um psicólogo, uma assistente social e uma
enfermeira – busca diariamente doadores em potencial pelos corredores da
instituição. Ainda que a referência do hospital seja o tratamento de câncer e
esses pacientes não sejam doadores em potencial, é possível encontrá-los.
De acordo
com o Coordenador da Comissão, Jair Graim, a abordagem familiar às vezes
funciona. “Mas não são muitos os hospitais que fazem. Essa abordagem é feita
desde o acolhimento, da chegada ao hospital. Aqui no Ophir somos uma das
Comissões referências no Brasil, reconhecidos em um Encontro de Cihdott, porque
tentamos sempre fazer esse acompanhamento”, revela.
Segundo ele,
além da falta de informação, pelo menos três motivos interferem para que as
famílias autorizem a doação de órgãos. “Muitas acreditam no mito do tráfico de
órgãos, mas o que as pessoas precisam entender é que o transplante é um
procedimento complexo demais para ser feito clandestinamente; questões
religiosas também pesam nessa decisão; a demora do processo também, que dura
entre 12 a 24 horas, e nesse momento de fragilidade da família é complicado”,
ressalta.
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