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domingo, 1 de março de 2015

FILA DE TRANSPLANTE NO PARÁ CRESCE POR FALTA DE DOAÇÕES



São 10 comprimidos por dia. É preciso controlar a pressão, o refluxo e ainda afinar o sangue. A bateria de exames é regular e tem que estar em dia. A alimentação é balanceada, nada de exageros. Todas as terças, quintas e sábados são reservados à hemodiálise. Uma rotina que já dura cinco anos. A espera do aposentado Ciro Raimundo Félix, de 61 anos, é por um rim. Ele está na fila dos transplantes desde 2010, quando descobriu que os rins não funcionavam mais.

“Tive muita albumina, não tratava direito e ela foi atacando meu rim. Em 2010 me disseram que não tinha mais jeito, eu precisava transplantar. Já fui chamado quatro vezes, sempre é em grupo de 10. E entre os 10 sempre teve um paciente que mostrava compatibilidade antes. Continuo esperando”, relata.
Ele já foi mecânico naval, mas se aposentou desde que começou a hemodiálise. “Quando eles fazem a fista no braço, esse braço fica quase inútil para mim porque não posso fazer força e eu tinha que fazer muita força com ele no trabalho de mecânico de marítimos. Tenho que tomar cuidados e os meus amigos transplantados dizem que depois da cirurgia é bem mais rígido, mas eu estou preparado. A gente espera a ligação a qualquer hora. Pode ser qualquer hora, até de madrugada”, declara Ciro Félix.

Essa é a realidade de mais 750 pacientes que aguardam um rim para transplantar em todo o Estado e mais de 900 pessoas esperam a doação de córneas, que são as cirurgias realizadas no Pará. Em 2014, foram realizados 29 transplantes renais no Estado, nove com doadores vivos e 20 com doadores falecidos, mas apenas 10 eram doadores de múltiplos órgãos. Um número que vem caindo, já que em 2013, dos 53 transplantes renais, sendo 41 com doadores falecidos, apenas 19 eram doadores de múltiplos órgãos.

De acordo com a coordenadora Adjunta da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos Estadual (CNCDO), a biomédica Ierece Miranda, a falta de doações faz a fila de espera apenas aumentar. “Aproximadamente 42 novos pacientes entram mensalmente na fila de transplante de córnea e apenas 18 deixam essa fila. Ou seja, a cada mês a lista de espera para transplante de córnea aumenta em 9% e diminui em apenas 4%. Quanto aos renais crônicos, a média mensal de novos receptores na fila é de 49 e apenas 4 são transplantados. Isso significa que a fila para o transplante de rim aumenta 9% e diminui somente 0,8%”, analisa.

O crescimento das filas só aumenta o tempo de espera para os transplantes no Estado e no caso dos transplantes renais, o aumento de pacientes em tratamento de hemodiálise. “É muito mais caro manter o paciente em tratamento de hemodiálise do que realizar o transplante. Mais caro não somente no custo financeiro, mas por todo o sofrimento que o paciente e a família precisam passar durante o tratamento”, ressalta a biomédica.
Como o Pará não realiza outros tipos de transplantes, quando surge um múltiplo doador, os órgãos podem ser enviados para outro Estado, com exceção do coração, o qual os cirurgiões aproveitam os vasos do órgão para outras cirurgias cardíacas.
O Estado tem quatro estabelecimentos de saúde autorizados a realizar transplantes de rim. O Hospital Regional do Baixo Amazonas, em Santarém; o Hospital Regional Público do Araguaia, em Redenção – onde é feito apenas o transplante com o doador vivo; o Hospital Ophir Loyola e o Hospital Saúde da Mulher, ambos em Belém. Quanto ao transplante de córnea é feito em Santarém, em Belém e na Região Metropolitana. Ao todo são 12 estabelecimentos de saúde a realizar este tipo de cirurgia.

O agricultor Luiz Cavalcante, 47 anos, veio de Altamira para realizar o transplante de rim no Hospital Ophir Loyola. ”Fazem cinco meses, fiz em outubro do ano passado. Tive muitas malárias, umas 12 ou mais, aí meu rim não resistiu. Só sentia muita falta de ar, inchaço e tosse. Fui no médico e ele disse que eu tinha diabetes, os rins parados e o coração grande, estava tudo inflamado”, disse.

Desde então foram três anos e cinco meses de espera. “Fiquei todo esse tempo fazendo hemodiálise. Aí me ligaram avisando que conseguiram o rim. Estava em Altamira, a Sespa me arrumou a passagem e vim tranquilo, sem medo. Não senti nada, foi uma benção. Hoje tenho três rins, os dois parados e o meu novo. Só voltei ao hospital agora pela terceira vez porque a pressão baixou e depois do transplante qualquer coisa que a gente sinta temos que vir para o hospital”, comenta o agricultor.
Há três hospitais no Pará que possuem Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT), o Hospital Ophir Loyola, o Hospital Regional de Santarém e o Hospital Metropolitano. No hospital Ophir Loyola, a comissão – que é composta por um médico, um psicólogo, uma assistente social e uma enfermeira – busca diariamente doadores em potencial pelos corredores da instituição. Ainda que a referência do hospital seja o tratamento de câncer e esses pacientes não sejam doadores em potencial, é possível encontrá-los.

De acordo com o Coordenador da Comissão, Jair Graim, a abordagem familiar às vezes funciona. “Mas não são muitos os hospitais que fazem. Essa abordagem é feita desde o acolhimento, da chegada ao hospital. Aqui no Ophir somos uma das Comissões referências no Brasil, reconhecidos em um Encontro de Cihdott, porque tentamos sempre fazer esse acompanhamento”, revela.

Segundo ele, além da falta de informação, pelo menos três motivos interferem para que as famílias autorizem a doação de órgãos. “Muitas acreditam no mito do tráfico de órgãos, mas o que as pessoas precisam entender é que o transplante é um procedimento complexo demais para ser feito clandestinamente; questões religiosas também pesam nessa decisão; a demora do processo também, que dura entre 12 a 24 horas, e nesse momento de fragilidade da família é complicado”, ressalta.

 

 

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