O ano de 2015 está terminando com uma marca peculiar: é o primeiro na História do Brasil em que a corrupção passou a ser percebida como preocupação número um da população (Datafolha – nov/15). É claro que o Brasil conta com muitos outros problemas tão ou mais relevantes que a corrupção: desigualdade extremada, racismo, a saúde está na UTI, baixa escolaridade, infraestrutura precária, descontrole da inflação, desemprego em alta etc. Mas não deixa de ser auspiciosa a consciência coletiva de reprovar as roubalheiras decorrentes das indecorosas “parcerias público-privadas”, tais como as apuradas na Lava Jato.
Vendo a
quantidade de empresários, empreiteiros, políticos, altos funcionários e
banqueiros/financistas investigados, presos, processados e até condenados,
também pela primeira vez estamos observando com clareza que o conceito de
patrimonialismo está mal explicado, posto que ele não deve ser aplicado
exclusivamente ao Estado: boa parcela do Mercado (econômico e financeiro), em
simbiose íntima com o Estado, se vale das relações de “cordialidade” (Buarque
de Holanda), para praticar todo tipo de trapaça com o propósito de incrementar
ilicitamente seus ganhos primitivos. Buscar lucro num empreendimento é uma
coisa muito válida, ser ladrão do dinheiro público, sobretudo em um contexto de
um governo cleptocrata, é outra muito diferente.
A
roubalheira cleptocrata do dinheiro público (promovida pelas oligarquias,
partidos e corporações bem posicionados dentro do Estado por força do poder
político, econômico e/ou financeiro) gera muito ódio e desprezo na população.
Maquiavel[1] já dizia que todo Príncipe (todos os que exercem poderes), para
evitar o desprezo e o ódio, “deve abster-se de praticar o que quer que o torne
detestado ou desprezível; o que, acima de tudo, acarreta ódio ao príncipe é (…)
roubar e/ou ofender a honra das pessoas”.
Não se toca
“nos haveres e na honra” de ninguém. Disso o Príncipe deve se abster, para
então só enfrentar a ambição [desabrida] das pessoas. O que o torna
desprezível, ademais, é ser tido como volúvel, leviano, covarde e irresoluto.
Isso deve ser evitado pelo Príncipe, “do mesmo modo que o navegante evita um
rochedo. Deve ele fazer que em suas ações se reconheçam grandeza, coragem,
gravidade e fortaleza e, quanto às ações particulares de seus súditos, deve
fazer que a sua sentença seja irrevogável, portando-se de modo tal que ninguém
pense enganá-lo ou fazê-lo mudar de ideia.”[2]
Kátia Abreu
(PMDB), Ministra da Agricultura, no dia 9/12/15, jogou uma taça de vinho na
cara do senador José Serra (PSDB), depois que este disse que ela seria
“namoradeira” (O Globo, G1 e Folha divulgaram esse fato). Ele teria pedido
desculpas pela brincadeira “elogiosa” (emenda machista, disse a Ministra, pior
que o soneto).
“Reagi à
altura de uma mulher que preza sua honra. Todas as mulheres conhecem bem o
eufemismo da expressão ‘namoradeira”, escreveu a ministra na rede social. “Fiz
uma brincadeira elogiosa num clima de descontração, mas foi mal recebida. Pedi
desculpas”, respondeu o senador, por meio de sua assessoria. No Twitter, Abreu
classificou o ato de Serra de “infeliz, desrespeitoso, arrogante e machista”.
“A reclamação de vários colegas senadores sobre suas piadas ofensivas são
recorrentes”, concluiu a ministra na rede social.
A honra
pessoal (individual) é um patrimônio muito sensível. Há muitos assassinatos por
essa razão. E até guerras. Na mitologia grega, Helena (a mulher mais linda do
mundo) era casada com Menelau (rei de Esparta). Quando parte para Creta, para
um ritual fúnebre, Páris (de Troia) foge com Helena para o seu país. Menelau,
Agamenon (seu irmão) e outros reis se juntaram para guerrear contra Troia e
resgatar Helena. A guerra dura 10 anos e Heitor e Aquiles (os dois máximos
guerreiros adversários) morreram. Os troianos, notando a ausência dos gregos,
pensam que os adversários foram embora. Encontraram um cavalo imenso e o
colocaram para dentro de Troia. À noite os saldados saíram de dentro dele e
massacraram os troianos, vencendo a guerra. Tudo por causa da honra de Menelau
(e dos interesses econômicos envolvidos). Muitos governantes perdem o poder por
causa das suas ofensas à honra de alguém (disso já tinha se apercatado
Maquiavel).
Até na máfia
se pede desculpas
De outro
lado, quando cometemos um equívoco, o melhor é reconhecer o erro (sem tentar
justificá-lo). Muitas vezes realmente a emenda fica pior que o soneto. Até os
mafiosos, quando erram, se desculpam.
Alphonse
Gabriel Capone, conhecido como Al Capone (1899-1947), foi chefe da máfia em
Chicago. Chegou, portanto, ao título de Don (que significa ter o poder sobre a
vida e a morte de qualquer pessoa, bastando para isso um simples aceno da mão
ou da cabeça). Al Capone ordenou o assassinato de muitas pessoas e ele mesmo se
encarregou de dezenas. Mas não matou Galluch. Por quê?[3]
Em Nova
York, na boite Harvard Inn, o jovem Al Capone viu Galluch com sua mulher e uma
moça. Assediou escandalosamente esta última até que Galluch disse que era sua
irmã, que não deveria ser importunada. Al Capone soberbamente insistiu e a
partir daquela trágica noite passou a ser conhecido pelo resto da vida como
“Cara Cortada” (Scarface). Galluch era um ás na navalha. Al Capone,
surpreendentemente, mesmo se tornando chefe da máfia, não se vingou, porque
sabia que tinha cometido um erro.
Al Capone
não se transformou em chefe da máfia em Chicago (nos anos 20 e 30, século XX)
por acaso. Tinha sabedoria. Perdoou Galluch e ainda o contratou como seu
segurança nas viagens que fazia a Nova York. Temos dificuldade em admitir
nossos erros. Negá-los, no entanto, quase sempre é o pior caminho (veja o que
está ocorrendo com Eduardo Cunha, que nega ter mentido sobre suas contas
secretas na Suíça). Admitir erros pode interferir (positivamente) no nosso
crescimento pessoal. Só temos que ter o cuidado de não fazer da desculpa uma
emenda que fique pior que o soneto.
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