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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Fazendeiros querem alugar florestas para americanos

O texano John Carter é uma das figuras mais polêmicas da região do Xingu, em Mato Grosso. Ele vive na região há 12 anos. Carter chegou ao Xingu depois de se casar com uma brasileira, com quem teve duas filhas. O casal ganhou da família dela uma fazenda de gado, com 8 mil hectares , entre os rios Araguaia e Xingú . Em 1997, quando ele chegou, viver no Xingu significava conviver com o avanço descontrolado da fronteira agrícola. A primeira luta foi contra os invasores. Confrontos dignos de filmes de caubói.
Depois disso iniciou-se nova briga para difundir as idéias ambientais entre os fazendeiros vizinhos.
A dobradinha americano-ambientalista gerou desconfianças. Ao entrar em fazendas, com o pesquisador Daniel Nepstad, também americano, da fundação Moore, o grupo de Carter muitas vezes era expulso à bala antes mesmo de abrir a boca. Quando conseguiam falar sobre meio ambiente, a coisa piorava.
Com muita persistência eles conseguiram aliados brasileiros e fundaram a Aliança da Terra, uma espécie de ONG que está mudando as práticas agrícolas locais. A ONG já reúne cerca de 1 milhão de hectares de fazendeiros que aceitaram rever a forma de plantar, lidar com a água e usar insumos agrícolas. Uma vitória inimaginável há dez anos atrás.
Agora, Carter se impôs um novo desafio : alugar as florestas para os americanos. A idéia , bastante ousada, é captar dinheiro de fundos internacionais, principalmente dos Estados Unidos, para financiar a preservação e reduzir o desmatamento, responsável por 17,4% das emissões de gases causadores das mudanças climáticas. Em troca, quem contribui para esse fundo ganha créditos para abater de suas emissões industriais. Em outras palavras : quem não consegue cumprir integralmente as cotas de redução de poluição pode atingir os pontos que lhe faltam “comprando” a redução alheia.
Essa proposta é conhecida internacionalmente por Redd (sigla para redução de emissões por desmatamento evitado, em inglês). A criação de um mercado assim pode ser importante para a preservação das regiões tropicais – e para começar a reduzir a poluição global e salvar o clima do planeta. Os primeiros projetos viáveis do mundo são justamente os brasileiros, como os de Carter.
No total, estima-se que o aluguel de florestas poderá trazer ao Brasil de US$ 5 bilhões a US$ 8 bilhões por ano para conservação. Para aproveitar oportunidades como esta, o presidente Lula anunciou recentemente que vai criar uma secretaria de Crédito de Carbono. Porém, a chegada desse dinheiro depende, antes de tudo, da aprovação do mecanismo do Redd na convenção mundial do clima, que acontece em dezembro, em Copenhague, na Dinamarca.
Um aliado inusitado da proposta é o governo americano. Esse mecanismo de compensação com florestas é parte importante do Projeto de Lei aprovado no início de julho pela Câmara dos Deputados, nos Estados Unidos.
A Lei prevê que as usinas termoelétricas, que usam o carvão para produzir energia e representam 80% das emissões do país, paguem licença para poluir. Essas licenças vão ser reduzidas a cada ano.
O negócio faz sentido econômico. Segundo estimativas do Painel dos cientistas da ONU (IPCC), evitar a emissão de 1 tonelada de carbono diminuindo o desmatamento custa hoje US$ 5. Mudar uma indústria para ser mais eficiente e economizar energia custa pelo menos 20 dólares por tonelada
A proposta também é interessante para os fazendeiros da Amazônia. Ao rodar nas estradas do Xingu é fácil compreender porquê. Soja e pastos intermináveis formam um grande tapete verde que se estende por centenas de quilômetros. Fora das terras indígenas, o pouco de árvores que restou (35% em toda a bacia), pertence as reservas florestais obrigatórias das fazendas.
Seriam os 80% de mata que a lei brasileira exige ser preservada nas propriedades particulares.
O difícil é manter essa floresta em uma região onde a soja rende 400 reais por hectare.O projeto de pagamento pela preservação prevê que as florestas precisam continuar inteiras por trinta anos.
Além de evitar que o proprietário destrua as árvores, os proponentes da iniciativa devem precaver-se contra as queimadas, problema grave na região do Xingu. Para evitar o fogo, está previsto no projeto do Xingu a criação de uma brigada de incêndio. A idéia é proteger 13 milhões de hectares em volta do Parque Indígena.
Entre os países ricos em florestas tropicais, o Brasil é o que apresenta as melhores condições para receber investimentos. A principal vantagem brasileira são as metas que o presidente Lula assumiu há um ano para zerar o desmatamento ilegal em duas décadas.
O segundo ponto é que temos um sistema já implantado de monitoramento de desmatamento por intermédio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).Uma etapa prevista pelo projeto é ampliar o aluguel de florestas para os assentamentos de reforma agrária e os lotes de agricultura familiar da Amazônia.
Hoje, mais de 80% dos assentamentos da região são voltados para a criação de gado leiteiro. Ou pior, para a produção de carvão vegetal. Nem mesmo as reservas extrativistas, como a Chico Mendes, no acre, estão livres do avanço dos rebanhos.
Apesar do otimismo, a idéia tem mais críticos que seguidores. Muitos países europeus não concordam que o primeiro passo para combater o aquecimento global seja compensar emissões por intermédio do desmatamento evitado.
A medida, segundo eles, pode reduzir o empenho dos países ricos em abandonar os combustíveis fósseis. Algumas ONGs, como o Greenpeace, concordam com a ressalva.
Para vencer esta resistência, o sistema de pagar por desmatamento evitado pode ser oferecido aos países campeões de emissões como uma opção voluntária.
Assim, os países doadores não podem usar o que a floresta preservada deixou de poluir em suas contas de emissões. O Brasil já recebeu 110 milhões de reais, de 1 bilhão de dólares prometidos pela Noruega pelo sistema voluntário de desmatamento evitado.
Esse dinheiro é administrado pelo Fundo Amazônia, ligado ao Ministério do Meio Ambiente e ao BNDES. Será usado para financiar projetos que garantam a floresta em pé por até 20 anos. Pode se tornar um modelo para todo o país.
O último e maior obstáculo dos projetos de desmatamento evitado é encontrar alternativas para o uso sustentável das florestas, que garantam que a mata vai continuar preservada depois dos 30 anos contratados pelo financiamento.

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